Os seguintes trechos retirados do livro (p. 78) particularmente nos chamou muito a atenção, por isso destaco-os:
"A internação é uma criação institucional própria ao século XVII. Ela assumiu, desde o início, uma amplitude que não lhe permite uma comparação com a prisão tal como esta era praticada na Idade Média. Como medida econômica e precaução social, ela tem valor de invenção. Mas na história do desatino, ela designa um evento decisivo: o momento em que a loucura é percebida no horizonte social da pobreza, da incapacidade para o trabalho, da impossibilidade de integrar-se no grupo; o momento em que começa a inserir-se no texto dos problemas da cidade. As novas significações atribuídas à pobreza, a importância dada à obrigação do trabalho e todos os valores éticos a ele ligados determinam a experiência que se faz da loucura e modificam-lhe o sentido.
Nasceu uma sensibilidade, que traçou uma linha, determinou um limiar, e que procede a uma escolha, a fim de banir. O espaço concreto da sociedade clássica reserva uma região de neutralidade, uma página em branco onde a vida real da cidade se vê em suspenso: nela, a ordem não mais enfrenta livremente a desordem, a razão não mais tenta abrir por si só seu caminho por entre tudo aquilo que pode evitá-la ou que tenta recusá-la. Ela impera em estado puro num triunfo que lhe é antecipadamente preparado sobre um desatino desenfreado. Com isso a loucura é arrancada a essa liberdade imaginária que a fazia florescer ainda nos céus da Renascença. Não há muito tempo, ela se debatia em plena luz do dia: é o Rei Lear, era Dom Quixote. Mas em menos de meio século ela se viu reclusa e, na fortaleza do internamento, ligada à Razão, às regras da moral e a suas noites monótonas."
Ressaltei em negrito algumas palavras e frases que, no meu sentir, expressam de maneira elaborada a ideia que foi trabalhada nos argumentos alinhavados por Foucault no capítulo "A Grande Internação". Tentei sustentar no nosso último encontro este aspecto de invenção que ele atribuiu ao internamento no séc. XVII, criação esta que serviu como medida econômica e precaução social, diferindo do entendimento acerca da prisão da Idade Média. Esse ponto dialoga intimamente com o que em seguida foi destacado por Foucault no que diz respeito ao momento anterior, na história do desatino, quando a loucura passou a ser percebida no horizonte social da pobreza, da incapacidade para o trabalho e da impossibilidade de integração no grupo. Daí é que se torna possível visualizar a articulação feita pelo mesmo, no que se relaciona às novas atribuições dadas à pobreza e ao trabalho no séc XVII, com o intuito de aproximar tais "novidades" com a experiência da loucura e a modificação de seu sentido no mesmo período histórico.
Depois seguirei minha reflexão acerca destas importantíssimas questões nos comentários.
Aguardo manifestações.